quarta-feira, 7 de março de 2012

ENTREVISTA – JORNAL DO ALGARVE


À CONVERSA COM SÉRGIO MATOS
Por João Brito Sousa



SÉRGIO MATOS – POETA ESCRITOR, frequentou a Escola Comercial e Industrial de Faro, cidade onde reside. Tem obras publicadas em poesia – “O Gotejar da Alma”, “O Dedilhar de Nossas palavras,” “Da Minha Janela Afora Pela Janela de Mim Adentro” e em prosa “Pai Velho o Moço e o Cão” (História Dramática do pescador e seu neto, do cão fiel, o pequeno barco que lhes protegia na safra - o saveiro local; anos 50 e dealbar dos anos 60), é membro da Confraria Cultural Brasil/Portugal e da Associação de Jornalistas e escritores do Algarve (Ajea). É um escritor crítico, que escreve o que pensa e sente e fá-lo há trinta e alguns anos.

Foi com este algarvio, homem ligado às letras que estivemos à conversa. O resultado aí vai.

JORNAL DO ALGARVE (J.A.) – Sérgio Matos, Escritor – Poeta. Porquê?

SERGIO MATOS (S.M.) – O poeta é um escritor, mas eu entendi colocar essas palavras a seguir ao meu nome, porquanto é isso que me considero, escritor e poeta, um homem apaixonado pela minha cidade, pelos seus jardins, ruas e praças, pelos seus poetas e escritores, pela cultura que a cidade possui à qual eu quero também dar o meu contributo, escrevendo quer em prosa quer em poesia.

J.A. – Onde pretende chegar com as suas obras?

S.M. – As minhas obras têm o destino igual ao dos outros autores. Nós, autores, temos a pretensão de tornar o mundo melhor, escrevendo assuntos que nos pareçam poder contribuir para a melhor formação do homem, nosso leitor neste caso, e é com a nossa experiência, com o que sabemos que os pretendemos cativar para perto de nós, para uma vez aqui, eles se aperceberem do que nós queremos dizer e, se concordarem, seguirem as nossas ideias, aprofundando-as, divulgando-as, discutindo-as com outros, inclusivamente, no sentido de se tornarem, todos, melhores pessoas. No fundo é o que qualquer escritor quer.

J.A. – Escrever compensa?

S.M. – Escrever compensará sempre para quem gosta de o fazer, para quem sente o conforto que advém de termos a possibilidade de passar para o papel as sensações do dia a dia, de transmitir as emoções da vida, particularmente, de quem possui o desejo e a vontade de comunicar, para quem quer ganhar amigos, que são os nossos leitores, escrever, é levar até aos outros histórias que criamos, que ouvimos, que investigámos, para que esses outros que citei, reflictam no que dizemos e possam concluir acerca da nossa maneira de pensar. Porque são os leitores que nos ensinam a escrever.


J.A. – Nas apresentações dos seus livros sente o carinho dos assistentes?

S.M. – Felizmente tenho tido boas audiências nos meus lançamentos o que é bastante agradável e satisfaz-me bastante, porque eu escrevo para as pessoas me lerem e elas estão ali comigo a fazer-me companhia, ouvem-me, fazem-me perguntas e eu respondo, criando-se assim um clima de fraternidade interessante que me agrada e que me dá forças para continuar.

J.A. – A poesia tem evoluído?

S.M. – Muito, mesmo. A poesia é uma forma de comunicar muito antiga que tem atravessado várias fases e em qualquer delas, sempre muito produtiva. A poesia, é uma manifestação artística expressa por palavras, cujo conjunto formam o poema, que possuem uma direcção e um objectivo, que constitui a mensagem que queremos fazer chegar aos destinatários. A poesia utiliza uma linguagem fora do vulgar, evita lugares comuns, preocupa-se com o belo e dá a cada um dos autores liberdade na criatividade. A poesia teve as suas fases e a sua evolução, passou da narrativa a características bem definidas, como foram os poemas épicos, depois a poesia lírica, a poesia renascentista, a poesia romântica e a poesia moderna, que se caracteriza pelo verso branco, que não obedece a rima. Como vê, a evolução da poesia é um facto.

J.A. – Como também escreve prosa, onde se sente mais à vontade?

S.M. – Sinto-me á vontade em qualquer modalidade, se bem que sejam áreas diferentes. A poesia precisa de menos palavras enquanto a prosa vai por ali fora e exige espaço. Na minha prosa, tenho a preocupação de cativar quem me lê, de lhe proporcionar uns bons momentos de lazer, inclusivamente, tenho a pretensão de lhe incutir o gosto pela leitura, e, digamos, num sentido mais “agressivo”, agarrar o leitor e levá-lo comigo. Às vezes vêm-me dizer, “li o seu livro duma assentada”. E isto claramente agrada-me. Mas sou um autor crítico e indico caminhos.

J.A. – A cidade de Faro tem resposta cultural?
.
S.M. – Faro é uma cidade com uma boa base cultural, tem uma Universidade, possui algumas boas livrarias, há tertúlias organizadas e o assunto da cultura farense foi até discutido numa palestra realizada dia 31 de Março de 2011, onde tiveram lugar várias intervenções. Possuiu ainda o grupo de Teatro Lethes, que representou Gil Vicente, sobressaindo a consagrada actriz amadora, Maria Amélia Campos Coroa, que foi um dos maiores vultos da cultura farense, com representações exímias, sobressaindo o modo magistral como interpretava a " Súplica de Cananeia" de Gil Vicente. Houve e há figuras de relevo da cultura na cidade.

J.A. – Como vê a literatura portuguesa no campo internacional? Acha que se conseguiu impor?
S.M. – Eu penso que a literatura portuguesa tem obtido, no estrangeiro, prémios e homenagens significativas, através dos nossos escritores mais conceituados e ao longo dos últimos anos. Para além do Prémio Nobel atribuído a Saramago, devemos acrescentar os prémios e distinções internacionais atribuídos a Lídia Jorge, António Lobo Antunes, Gonçalo M. Tavares, José Luís Peixoto, José Eduardo Agualusa, para citar apenas alguns exemplos. Acho que se impôs plenamente.
J.A. – O escritor é ou deverá ser um elemento de intervenção.?
S.M. – Um escritor é fundamentalmente um homem da cultura e, por esse motivo, será obviamente, um homem que deve intervir, de acordo com a sua sensibilidade, no sentido de não se retirar do processo. Há um autor português perfeitamente identificado com esse modelo e, curiosamente, escritor e poeta como eu. Refiro-me a Manuel Alegre. Carlos Conde foi também um poeta de intervenção pela via do fado e houve no campo internacional Neruda, Garcia Lorca, Paull Elluard e muitos outros.
J.A. – O livro, como nasce? E o título?
S.M. – Primeiro sinto a necessidade de escrever o livro, como acontecia com Vergílio Ferreira. Depois faço um esboço mentalmente dos pontos a focar, ás vezes escrevo, faço anotações sobre os capítulos, início e fim. Depois meto mãos à obra. O título vem depois, durante ou logo de início, depende das situações. Durante a escrita a inspiração faz uns desvios mas o assunto que estamos a trabalhar vem ao sítio, ou seja, vem cair dentro da mensagem que queremos transmitir. E assim nasce a obra.
J.A. – António Lobo Antunes ou José Saramago ?
S.M. – Em literatura não é possível fazer comparações, Lobo Antunes tem uma formação médica, especialista em psiquiatria onde pôde contactar com os mais diversos comportamentos humanos, o que lhe deu pistas suficientes para grandes obras. Se a isto juntarmos o enorme talento que possui, estamos perante um autor de grande rigor técnico e de grande competência profissional. Saramago é um autor premiado nada mais há a acrescentar. Escreve como se estivesse a falar consigo, ou outra pessoa qualquer.
J.A. – Os livros são todos bons?
S.M. – Nem todos. A Isabel Allende, uma grande personalidade da literatura, diz que, se chegar à página 60 e o livro não lhe disser nada abandona-o. Um autor, é o resultado da sua personalidade, do meio em que vive e frequenta, da forma como encara as suas preocupações. Se juntarmos tudo dá o romance ou o conto. Se é bom ou mau o tempo o dirá, são os leitores que o dizem.
J.A. – Algum livro ou conto que o tenha marcado?
S.M. – Livros, muitos. Contos, gostava de referir o “Largo” do Manuel da Fonseca, conto fantástico, retrata a história dum operário especializado, que vai à taberna beber um copo, sita num largo que já não existe porque a estação do comboio mudou. E o velho Ranito, já sem forças, desafia toda a gente do Largo onde já não mora ninguém, para um duelo, que ele sabe não ser possível. Mas a força do conto é enorme.
J.A. – Há pazadas de poetas como disse Amadeu Baptista ?
S.M. – Há os poetas e depois existem muitos outros, que um dia serão ou nunca serão. Um poeta tem de trabalhar muito, estudar muito e dedicar muito tempo a esta modalidade. Depois, se verá.
J.A. – O que gostaria de dizer que não foi perguntado?
S.M. – Gostaria de lhe dizer que gostei muito de fazer este trabalho consigo e deixar-lhe um muito obrigado.